segunda-feira, 6 de junho de 2011

Numerus clausus provoca insatisfação e ineficiência

  O sistema generalizado de numerus clausus "afecta o padrão de procura dos candidatos ao ensino superior e cria um número significativo de candidatos potencialmente descontentes, o que pode ter efeitos negativos sobre a eficiência do sistema". Quem o diz é a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) depois de ter realizado um estudo sobre as consequências do numerus clausus em Portugal, o único país europeu em que este sistema está generalizado a todos os cursos, mesmo para os que têm baixa procura.




Efectuado com base nos dados do ano lectivo 2007-08 - a Agência não vê razões para "ter havido grandes alterações de ano para ano" -, o estudo concluiu que o sistema provoca várias "ondas de insatisfação". Em causa está o facto de os alunos que concorrem aos cursos de maior procura (por exemplo, Medicina) e não são colocados em nenhum irem procurar colocação num nível mais baixo, em cursos alternativos. Por terem classificações elevadas, "empurram" candidatos que tinham preferido esses cursos e assim sucessivamente, gerando uma onda de deslocações que se propaga através do sistema.

A Medicina é precisamente a área que é objecto de análise. Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da A3ES, Alberto Amaral, explicou que "a Medicina é um caso extremo por um conjunto de razões: área de grande prestígio e procura; oferta limitada de lugares; e ausência de alternativas no privado". "Para áreas que também têm formação no privado, o estudo é impossível, porque não existem dados sobre o acesso e preferências dos alunos neste sector. Essa foi a razão pela qual escolhemos a Medicina", justificou. Salientou que "a Arquitectura também tem potencial para causar ondas de insatisfação, mas muitos alunos não colocados em instituições de prestígio - como por exemplo na Universidade do Porto - encontram uma solução no número muito grande de vagas oferecidas por instituições privadas".

"Neste caso, a insatisfação está mais ligada à impossibilidade de entrar na instituição de primeira opção. Por outro lado, os alunos devem ter notas de candidatura muito elevadas para poderem deslocar os outros candidatos, o que acontece em Medicina e também em Arquitectura", diz.

As regras do jogo

Em Portugal cada aluno selecciona, por ordem decrescente de prioridades, seis pares (curso/instituição), sendo colocado de acordo com a nota de candidatura.

No entanto, lembra o estudo, é preciso ter em conta que a escolha é "fortemente influenciada" pela nota: os alunos sabem que se tiverem, por exemplo, uma nota de candidatura inferior a 18, "a probabilidade" de entrarem em Medicina "é praticamente nula, pelo que não colocam a Medicina como primeira preferência (mesmo que esse fosse o seu sonho) para não queimarem hipóteses".

A 1ª onda de insatisfação

No ano lectivo de 2007-08, mais de metade (53,3 por cento) dos alunos foram colocados nos cursos indicados como primeira preferência. Os outros 46,5 por cento matricularam-se em cursos "alternativos". Nesse ano, havia 1400 vagas para Medicina e registaram-se 4039 candidatos que a listaram como primeira opção. Dos 1408 que entraram, 520 (36,9 por cento) entraram em Medicina, mas numa instituição que não era primeira opção.

"Mas, do mal, este foi o menor", defende a Agência. Isto porque, dos restantes 2631 que não entraram em Medicina, houve 1658 que se matricularam em outros cursos "criando assim uma primeira onda de insatisfação". O estudo conclui que a maioria (63 por cento) procurou outros cursos na área da saúde. A seguir aparecem as engenharias, com 14 por cento, e as ciências, matemáticas e informática, com 12 por cento.

Dos 1658 candidatos que não entraram em Medicina, 365 acabaram por ser colocados em Farmácia, 222 em Enfermagem, 186 em Medicina Dentária e 108 em Veterinária. O estudo conclui que os cursos onde os candidatos "falhados" a Medicina "roubaram" mais lugares foi em Farmácia e Veterinária, ao ocuparem, respectivamente, 65 e 60 por cento do total das vagas. Os que escolheram Farmácia como primeira opção e viram o desejo concretizado representam apenas 18 por cento do total. Na Veterinária, são ainda assim 33 por cento.

No caso da Medicina Dentária, a situação é diferente, uma vez que o total de candidatos em primeira opção é inferior ao número de vagas. "Esta é uma consequência da saturação do mercado que torna as vagas totais oferecidas excessivas (216 candidatos para 258 vagas), havendo ainda um número significativo de vagas no sector privado", salienta a Agência. A 2ª onda de insatisfação

Os alunos que tinham escolhido Farmácia, Veterinária e Medicina Dentária como primeira opção e foram deslocados para fora desses cursos por candidatos "falhados" a Medicina, mas com notas mais elevadas do que as suas, vão, por sua vez, procurar lugares em outros cursos, com mais baixa preferência, deslocando, por seu turno, os alunos que tinham escolhido estes cursos.

Cria-se assim a segunda onda de insatisfação, "embora não tão intensa como a primeira, uma vez que as notas de candidatura são agora mais baixas". Em Farmácia, a maioria (155) dos 480 alunos que lhe deram a primeira opção acabaram por ir para Biologia e Bioquímica. Em Veterinária, a situação é "algo semelhante, embora em menor grau". As 272 vagas existentes tiveram 493 candidatos como primeira opção: 97 foram colocados na escola pretendida e 180 em outra instituição. Entre os candidatos que tiveram de procurar uma alternativa, a maioria entrou também em Biologia e Bioquímica.

Já em Medicina Dentária, houve apenas 216 candidatos em primeira preferência para as 268 vagas oferecidas e só 32 foram colocados onde pretendiam. A maioria foi colocada em segunda opção, "empurrando grande parte dos candidatos a Medicina Dentária para outras opções".

A 3ª onda de insatisfação

Em 2007-08, candidataram-se, como primeira opção, 1760 alunos às 1875 vagas em Biologia e Bioquímica. Destes, 1115 não foram colocados na sua primeira preferência, dos quais 307 ficaram em outra instituição, registando-se ainda 182 alunos que foram candidatos não colocados em Medicina.

"Os alunos deslocados desta área vão criar uma terceira onda de insatisfação, mas agora muito menos significativa do que as anteriores, dando origem a uma onda já muito dispersa", conclui a Agência.

Em Público Online

1 comentário:

  1. Mais uma vez, o problema da entrada no ensino superior ser regida exclusivamente pelas notas...

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