Manifesto

A) No momento em que elaboramos este convite público, sob a forma de manifesto, assistimos ao recrudescimento do movimento social, com particular incidência nos jovens. Com efeito, quer no panorama internacional, quer no espectro nacional, os jovens estudantes têm reerguido a sua voz de forma constante e consistente, de que são exemplo as manifestações de estudantes do ensino superior de 17 de Novembro de 2009 e 2010, ou mais recentemente, o boicote geral às aulas na Universidade de Coimbra. A 12 de Março deste ano, os estudantes, lado a lado com os sectores da população afectados pela crise, decidiram integrar a equipa de redacção da história e contribuíram para uma das maiores mobilizações de rua da história da democracia portuguesa.
Em ambas as ocasiões, obtiveram vitórias importantes. Com a manifestação de 17 de Novembro de 2010, conseguiram que as bolsas de estudo saíssem do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 70/2010, ainda que essa alteração não tenha efeitos já este ano. Rejeitamos esta última solução e queremos dizer que não desistimos desses estudantes que durante este ano tiveram de abandonar a Universidade por motivos financeiros. Por sua vez, a força e a dimensão do protesto das “Gerações à Rasca” demonstrou que há limites para a governação que atropela as pessoas e as transforma em custos e números.
Vitórias pequenas, é certo, mas que devolveram crédito à democracia participativa e à cidadania.

B) Não ignoramos, porém, que durante o período que precedeu este recrudescimento estudantil foram desferidos ataques profundos à Universidade pública, democrática, gratuita e de qualidade.
Num país com 2 milhões de pobres e com um salário médio que não chega aos 800€, a propina está actualmente fixada perto dos 1000€. Não desistimos da luta contra a existência de propinas na Universidade Pública e é nossa intenção recuperar esse debate nas nossas faculdades.
O Decreto-Lei 70/2010 pode até deixar de se aplicar aos estudantes, mas não desistiremos da sua total revogação. Por outro lado, sabemos que mesmo a saída das bolsas de estudo do seu âmbito de aplicação, não resolverá nenhum problema de fundo. A revitalização da Universidade Pública e de Qualidade faz-se com a reposição dos níveis de financiamento estatal dignos, capazes de reabilitar as infra-estruturas degradadas, construir outras necessárias (talvez não seja necessário enumerar), e contratar o número de funcionários/docentes suficiente.
Um número importante dos redactores deste convite público vive em Residências Universitárias ou Repúblicas. Quanto às primeiras, estaremos do lado daqueles que exigem a desburocratização dos Serviços de Acção Social, por exemplo propondo a existência de candidaturas a bolsa e alojamento por ciclos de estudo (se circunstâncias especiais o não afastar), de forma a evitar a entrega dos mesmos dados à mesma entidade todos os anos. Estaremos do lado daqueles que querem a sua Residência remodelada, de forma a evitar que a degração da sua casa possa ser mais um motivo do seu insucesso académico. Continuaremos a contestação ao pagamento da Caução, tal como o fizemos noutros espaços, ou até, em última medida, a redução do seu valor e condições de pagamento. Por outro lado, não obliteremos o papel que as Repúblicas têm tido como dinamizadoras de diversidade na vida académica. Contribuiremos sim, para que as casas que as acolhem não sirvam de alimento à especulação imobiliária, e se estendam com os seus traços que as caracterizam por um longo futuro.
A implementação do Processo de Bolonha, Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) e o Regime de Prescrições inserem-se numa lógica de elitização do Ensino Superior.
A Bolonha está inerente a redução do nível de qualificação dos licenciados, obrigando-os a frequentar um mestrado para corrigir parte dessas debilidades académicas, mestrado esse, a maioria das vezes, com propinas bem mais altas. A desqualificação herdada de Bolonha é, pois, o caminho aberto para a precariedade no trabalho.
O RJIES merece hoje uma atenção redobrada. Com a eleição do novo Reitor da Universidade de Coimbra, um claro simpatizante do regime fundacional, este tema merece mais do que nunca reflexão e discussão. É nossa intenção agendar uma série de debates com vários oponentes as estas duas contra-reformas do ensino superior e assim, contribuir para o germinar de uma alteratica teórica e cientificamente consistente.
As Prescrições, ao contrário do que tem sido afirmado, não vêm penalizar os estudantes que supostamente oneram o erário público, ao não terem um rendimento académico satisfatório. Mas sim, empurrar para fora do ensino superior todos aqueles que têm mais dificuldades no processo de aprendizagem, sabendo-se que a principal razão para o insucesso escolar advém da fragilidade económica e social das famílias.

C) É indiscutível serem os pontos acima referidos os mais prementes da situação actual, mas não esgotam as nossas preocupações. Temos igualmente uma visão sobre o papel e a importância das Secções Desportivas e Culturais da Associação Académica de Coimbra (AAC).
No que respeita às desportivas, reconhecemos que tem sido feito um trabalho meritório pelas últimas Direcções Gerais (DG) da AAC. Os resultados estão à vista de todos. Todavia, consideramos que, não obstante a devida autonomia destas secções, o seu excelente trabalho deveria ser bem mais promovido pela academia de forma a aproximá-las da comunidade estudantil. Seria igualmente uma forma de potenciar o interesse e participação de outros sócios da AAC nas múltiplas secções.
As secções culturais, por sua vez, têm sido vítima do mais radical esquecimento, ou em alguns casos, de ataques severos. Com a contrução do Bar e esplanada dos Jardins, algumas dessas secções ficaram sem os espaços que lhes estava destinado, ou viram esse espaço reduzido. Por outro lado, a agitação decorrente do Bar, inviabilizada o bom funcionamento de alguma secções culturais. A tudo isto acresce o mesmo que acima dissemos sobre o relativo afastamento destas secções dos estudantes. São nossas intenções encetar esforços para encurtar esse afastamento, bem como devolver às secções culturais afectadas pela construção do Bar dos Jardins, os direitos que agora vêm inviabilizados.

D) Sabemos que o caminho a percorrer rumo ao programa que idealizamos neste manifesto é longo. Apesar das pequenas vitórias alcançadas recentemente, as derrotas acima descrita são demasiados estrondosas para que se possa falar de uma compensação. Na origem destas perdas está a completa ausência de alternativas consistentes e mobilizadoras no plano das (contra-)reformas no Ensino Superior. Não quer isto dizer que não existam pontos específicos dos programas críticos àquelas alerações no ES que não tenham o seu valor. O que na realidade faz falta é um programa global alternativo que possa rivalizar teórica, científica e socialmente com as contra-reformas hoje em vigor.
A necessidade de dinamização de um espaço de sensibilidades diversas, que conflua numa vontade comum de rompimento com o situacionismo e a passividade impõe-se hoje, mais do que nunca. Propomo-nos, por isso, a criar uma plataforma alargada de estudantes que se paute pela capacidade constante de se reinventar criticamente e que saiba interpretar e combater os seus próprios anacronismos internos.
Seremos combativos, que ninguém duvide disso, mas esforçar-no-emos por ser criativos na expressão dessa combatividade.
Estaremos a dialogar com os nossos colegas nas faculdades, nas cantinas, nas residências, nas repúblicas, e prometemos ser inovadores na forma como a eles nos dirigiremos.
Uns têm mais experiência, outros, antigos abstencionistas, começam agora a reavivar o seu interesse. É assim que somos por enquanto. É especialmente para os abstencionistas crónicos, os que sentem a dureza dos cortes na acção social, os que ficaram praticamente sem vida devido ao ritmo académico de Bolonha, que nos dirigimos. Não esquecemos os restantes, obviamente. É também para eles que este convite é endereçado.
E é por isso, que seremos incansáveis na construção desta alternativa, para que todos que se têm sentido inconfortáveis e sub-representados, encontrem vontade de actuar e de ter voz presente.